22 de fevereiro de 2011

Olá



Ouvia-se ao longe o sino da igreja anunciando-a com as badaladas lúgubres que soavam como a nota mais grave do Piano. -O piano... na sala ele tocava sua música, enchendo o ambiente com os acordes que gritavam e faziam tremer e trincar as vidraças estilhaçadas das janelas.
Todos aqueles que um dia tiveram rostos corados sussurravam e dançavam, do fundo do calabouço, a valsa que os embalou para a morte. Mas ele esforçava-se e concentrava-se para que em sua mente ainda conseguisse ouvi-la dizer “olá”. Ele não sabia... ele não sabia que era um truque deles dando-lhe o último resquício de esperança para que jamais se esquecesse, e assim sucumbisse. E ela só dizia “Olá” como um anjo doce e nebuloso do modo como sempre acreditou que ela fosse.
O sino da igreja tocou mais uma vez, e ele sorriu sem acreditar. -Estava sonhando, era isso. Mas os pesadelos nunca são assim tão reais a ponto de fazê-lo sentir a vibração do chão aos seus pés e a brisa gélida que vagava inóspita através da vidraria quebrada da janela, cantando para ele mais uma vez: “olá”.
Ele olhou para fora e viu novamente, nas vias da lembrança, as pegadas na neve do dia de ontem. Ele tentou... ele tentou salvá-la. Mas ela lhe disse que não podia concertá-la dessa vez, que ela não estava quebrada. Ela disse que continuaria ali, e continuou. Era agora quadro na parede, cada gota de vinho que ele ingeria, cada floco de neve que afagava-lhe a pele pálida e a corroia. Ela seria a mentira –a maior delas, que viveria por ele, para que ele não tivesse mais de se esconder e agora pudesse chorar de novo.
De repente ele soube que não estava mais dormindo, e que aquilo não era mais um sonho. Mas ela ainda estava ali, estava nas palavras não ditas, nas confissões não feitas, nas promessas não cumpridas. Ela estaria ali para sempre. E seria tudo o que restou de ontem.
Tocou a sua música no piano a última vez, e por fim, o agudo dos sinos da igreja foram os últimos acordes. Ele levantou-se e passou pela porta quebrada, encontrando a neve, e no mesmo instante, ela entrava no grande salão aonde a receberam com a valsa da morte. E então ele sentiu... no último ato ele sentiu os dedos frios da moça tocarem-lhe os lábios e lhe dizerem “olá” –olá para nunca mais.



(Inspirado em "Hello" - Evanescence)

Um comentário:

  1. E poucos somos os que sabemos o quanto um olá para nunca mais pode ser ainda mais amargo do que um adeus para sempre...!

    Gugu Keller

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"Escrevo em linhas tudo aquilo que, nas entrelinhas, a alma quer dizer; tudo aquilo pelo qual palpita o coração"
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