26 de julho de 2011

E em minha mente ele cantava


Eu sonhava. Remexia-me na cama assustada. Garras, máscaras, sorrisos aterradores e mordazes, sangue. Todos aqueles fantoches de cenário moviam os braços antes inertes em minha direção, me convidando ao banque da morte onde o prato principal a ser servido era meu próprio reflexo do espelho. Eu corria, mas tropeçava na cortina do picareto. Levantava-me e tornava a correr, já não tinha saída. De repente, lá estava ele, surgido da fumaça inebriante, materializando-se bem em frente aos olhos sem que eu pudesse acreditar. Ele acenou com a mão e os bonecos com feições de falsa alegria tornaram ao chão. E, como vindo, ele sumiu. Pulverizou, desfez-se. Acordei sobressaltada. Fora só um sonho.
Na outra noite, voltei ao palacete abandonado, andando em meio às cadeiras já vazias e quebradas. Olhei para o palco, e ele estava lá outra vez, mas dessa cantava. Cantava em meu devaneio, aparecendo dentro dos meus sonhos. Do alto ele me olhava, chamava meu nome num sopro sinistro que me arrepiava a nuca e não me possibilitava mexer. Ele aproximou-se e me segurou em um misto de hostilidade e ternura, tocou meu rosto com delicadeza. Temi ao dedilhar de sua mão gelada perpassando meus lábios. Perguntei por que ele vinha toda noite ao meu encontro, e ele riu – uma risada sonora e terrível, e respondeu que vivia dentro de minha mente. Tentei enxergá-lo. Ele se ocultava nas sombras. Empurrou-me ao chão e mandou-me embora.
Já não me bastava lembrar-me do rosto que nunca vi, já não me bastava recordar-me da voz que congelou minha alma e despedaçou meu coração. Tive de retornar. O palco mal iluminado continuava intacto, e os assentos permaneciam destruídos. Olhei para todos os lados em busca dele. O escutei rindo, aquele mesmo riso de escárnio, mas não via de onde venha. Ele estava lá, bem atrás de mim. Tomou-me nos braços e virou meu rosto com força, segurando-me o queixo com uma das mãos enluvadas. Pela primeira vez eu o encarei, mas não o vi por trás da máscara que usava. Ele sorria, sorria cúmplice e me dizia que sabia que eu retornaria, pois agora ele me invadira a mente e residia ali, pois seu poder crescia por eu não parar de tentar desvendá-lo. Pediu que cantássemos, ressonássemos em um dueto estranho. Eu cantei, ele cantou. Senti como se minha essência fosse sugada, senti seu espírito em minha voz. Ele por fim confessou que estávamos unidos, combinados em um só e que eu não mais poderia olhar para trás. Acordei extasiada, exasperada, confusa. Olhei para o um anel translúcido e quase invisível que me desposara o dedo. Fora apenas um sonho? Não...
Já não podia viver sem encontrá-lo toda noite no teatro abandonado, no seu recinto sórdido e assustador. No nosso mundo, como ele me dizia quando chegava e me hipnotizava os sentidos com as notas que entoava.
Uma noite, não mais consegui a contentar-me, precisava saber quem era aquele que reunia em si minhas maiores fantasias, meus maiores desejos e anseios. Precisava saber quem era o homem feito de mistério e desdém que me domara o coração e roubara-me a existência. Tornei ao labirinto de sombras onde a noite se fazia e me fazia cega. Pedi que ele cantasse, e não mais tentei enxergá-lo com os olhos ou ouvi-lo com os ouvidos. Novamente embarcamos em nosso dueto severo, deixei então que meu coração guiasse e o encontrei. Corri as mãos por seu rosto, sentindo cada traço que a máscara ainda me deixava tocar; já não podia, prendi os dedos naquilo que me impedia de vê-lo e a puxei. E com isso, me veio o terror.
Ele empurrou-me contra a parede e me chamou de ingrata, perguntou se eu estava satisfeita por finalmente ter visto o monstro que ele era cujo todos os que viam recuavam temerosos. Os tantos bonecos assustadores começaram a mover-se como da primeira vez, e foram até mim. Eu o encarei. Ele mandou que me levassem, e pediu a mim que não retornasse. E cantou... Cantou em tom grave demais, triste demais, sofrido demais.
Passei dias lembrando-me daquele rosto devastado, tomada pelo medo. Mas passados tantos outros dias, o rosto já não me importava, eu sentia falta da voz que me preenchia o vazio.
Chegada à noite, estava decidida, deitei-me na cama e fechei os olhos. Vaguei por muito no turbilhão de sombras, perdida no escuro sem encontrar o caminho para o nosso mundo. Então cantei. Cantei com a alma, desesperada por achá-lo, e para a minha surpresa, ele também cantou, cantou e me conduziu. Estávamos lá, ele me pegou pela mão e eu o sorri, aproximei-lhe meus lábios e colei-os aos dele. Disse-lhe que éramos um só, e que só sobreviveríamos em uníssono. Disse-lhe que eu era a máscara que ele usaria, e que não mais temeria.
Disse-lhe que seria naquela e em todas as outras noites sua esposa.... A esposa do fantasma da Ópera...

(Inspirado em “The phantom of the opera” – Nightwish)


#NOTA: Quer sugerir alguma música? Eu agradeço! Aqui: http://2pitadasdesal.blogspot.com/2010/10/bla.html

8 comentários:

  1. MARAVILHOSO o seu texto. Confesso que adorei.

    Beijos

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Adoro o filme, a música e gostei bastante do texto. Ah! Também adoro essa sua moda de tirar inspirações de musicas, posso fazer o mesmo?

    http://semintencoes.blogspot.com/

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  4. "Passei dias lembrando-me daquele rosto devastado, tomada pelo medo. Mas passados tantos outros dias, o rosto já não me importava, eu sentia falta da voz que me preenchia o vazio."
    que história maravilhosa! adorei, mesmo.

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  5. Uau, eu realmente sou apaixonada por essa peça. *-* Seu texto ficou realmente muito lindo.

    Estou seguindo :*

    http://www.rienpersonnel.com/

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  6. Querida, encantador! Me prendeu do início ao fim! Foi mesmo inspirado no Fantasma da Ópera, contou a história direitinho! E esse amor, que não obedece às regras da beleza, e da aparência, é o amor que queremos para nós. Não é? Adorei! Você devia escrever um texto inspirado em alguma música da Amy Winehouse como "Back to Black" ou "Tears Dry on their own" (:
    Desculpe a demora pra vir aqui, fiquei uma semana afastada do blog mas já voltei!
    Beijinho

    http://biacentrismo.blogspot.com/2011/07/contadora-de-historias.html

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  7. Muito obrigada pelos comentários de todos vocês! Devo ressaltar que isso é maravilhoso e empolgante, e fico deveras grata!
    Tentarei atender às indicações, e agradeço também por essas;
    Quanto a usar minha idéia, Alana, eu apenas a tive e se a achaste uma boa idéias e achas que será bom para ti, fique a vontade!
    Beijos a todos!

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"Escrevo em linhas tudo aquilo que, nas entrelinhas, a alma quer dizer; tudo aquilo pelo qual palpita o coração"
Ajuda-me? É sempre gratificante saber sobre o que pensam outras mentes!